terça-feira, 3 de agosto de 2010

6 ou 7 Anos

Sentiu o perfume do pulso esquerdo, olhou para o teto e checou as horas em seu celular. A sala-de-espera se encontrava lotada e ainda levaria um bom tempo para que fosse atendido. As senhoras de idade apostando para ver quem tinha mais problemas, mais varizes, reumatismos, enxaquecas e tudo mais que se possa imaginar entreteram-no por alguns minutos até que uma delas fora chamada para adentrar o consultório.
Verificou as horas novamente e constatou que ainda lhe restaria um bom tempo até a sua vez no consultório. Apanhou seu aparelho de som portátil na mochila que ainda continha o material das aulas do dia anterior. Acomodou os fones de ouvido de modo que escutasse a enfermeira lhe chamar o nome, e ligou o aparelho. Um minuto depois percebeu que não havia carregado as baterias e, por isso não pode mais escutar música. Consideravelmente frustrado guardou o aparelho na mochila novamente e a fechou bruscamente para mostrar a si mesmo a sua irritação.
Fixou então a atenção a um garoto de 6 ou 7 anos que, sem nenhum constrangimento, corria de braços abertos fazendo ruídos de avião com a boca. A mãe, essa sim, estava constrangida com tudo aquilo. Pedia ao filho que se comportasse, mas a sua autoridade não interferia na  brincadeira que parecia se tornar mais divertida à medida que chamava a atenção de todos naquela sala. Uns se contagiavam com a alegria do garoto e outros demonstravam indiferença, quando na verdade, julgavam a mãe da criança silenciosamente. Ficou com vontade de dizer ao garoto que os aviões, geralmente, voam em linha reta, muito diferente dos movimentos que a criança fazia de um lado para o outro com os seus braços que, quase certamente, representavam as asas do avião. Mas não o fez.
Passados mais alguns minutos, voltou a observar o garoto no outro canto da sala que, dessa vez, estava sentado no chão, rodeado de vários lápis de cor, colorindo algum tipo de livro ou revista. Ficou com vontade de dizer que os jacarés não são necessariamente verdes e que o telhado das casas nem sempre eram vermelhos. Mas não o fez. E assim, nos próximos 45 minutos, teve vontade de explicar muitas outras coisas aquele menino. Que as faixas amarelas das escadas rolantes não engolem as pessoas quando pisadas, que aquele embrulho brilhante escondido nos fundos do guarda-roupas dos pais não era seu presente de Natal, e sim uma garrafa de champagne do ano passado, que o cotidiano das pessoas não se resume à simples brincadeira de casinha que a vizinha dois anos mais velha lhe obrigou a participar, que não poderia dar “beijo de novela” em sua mãe, que sua irmã sete anos mais velha também tem medos e inseguranças por mais forte ou heroína que possa parecer, que a sua professora provavelmente já havia se esquecido da tabuada do 8 feita 3 vezes a mais do que ela havia pedido e que atrás da nave da sua apresentadora de TV se encontrava seu camarim. Escutou alguém chamar seu nome e se dirigiu ao consultório do médico. No caminho só teve tempo de pensar que naquela época, tudo era mais fácil.

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                                           Garbage - Special
"I used to adore you, I couldn't control you... there was nothing that I wouldn't do to keep myself around and close to you. Do you have an opinion, a mind of you own? I though you were special, I though you should know"

Amanhã é 4 ...

Típico momento de hesitação onde as palavras estão distantes, os sintagmas fora de estrutura. É como se esse vento gelado que sopra no lado direito do meu corpo fizesse qualquer tipo de inspiração voar, assim como voam as cinzas de cigarro que cobrem o teclado e o chão branco do meu quarto. Janela fechada, as palavras ainda não vêm. O barulho do portão se abrindo traz a rápida impressão da chegada de algo interessante. 
                 Amanhã é 4 ... Hoje é 3. Quem sabe o que vem por aí??? 
                      Madonna - This Used To Be My Playground
"This used to be my playground , this used to be my childhood dream, this used to be the place I ran to whenever I was in need of a friend, why did it have to end?... don't look back, keep your head held high, don't ask them why because life is short, and before you know, you're feeling old, and your heart is breaking... don't hold on to the past... well that's too much to ask..."